quarta-feira, 4 de maio de 2016

Sereníssima

Nesta tarde insossa de domingo, fui acometido por uma epifania. Desta vez, ecoou como um consolo para minha condição humana. Pois ei-la: descobri que tenho certa inveja dos pessimistas. Sim, meu caro, IN-VE-JA dos vis e declarados céticos, sem nenhum afã de esperança em um futuro próximo - ou distante. Explicar-te-ei o porquê, e, quem sabe, acabes até mesmo concordando comigo.

Venho desejando enfraquecer minhas paixões. Quero, também, calar aquela robustez que, volta e meia, me diz, baixinho, que é possível recomeçar uma jornada torta. Torto foi quem insistiu em me dizer que o futuro seria colorido de inúmeras possibilidades para mim, menino, inocente, garoto-mimado.
A ingenuidade anda de mãos dadas com o idealismo. Aquele rubro “amor ao destino” me engana diariamente. Caio ferido, mas teimo em não aprender a lição. E, ora entre Kardecs e Budas, ora entre Aurélios, continuo dançando pelas paletas do otimismo.

Custou-me muito, mas finalmente entendi. Descobri que estou farto da desarmonia entre o real e o idílico: em um mundo palpável, estão distantes anos-luz. Esta distância me frustra. 
Oxalá, a bondade e a justiça do universo ainda subsistam e venham me aquecer, claro. Mas não esperarei por elas, meu caro. Seguirei, agora, com os elementos que posso controlar, tranquilamente.

Desejo que o pessimismo invada cada sinapse do meu cérebro. Assim, cada acontecimento surpreender-me-á. Um “sim” corriqueiro soará como bela sinfonia aos ouvidos de quem já esperava inerte por um "não" conjecturado. Convido-te a satisfazer-se com prazeres imutáveis, meu distinto amigo. A regozijar-se de antemão com o previsível. Assim, tu te tornarás um “reles pessimista”, como costumam dizer.
Estarás disposto a aprender pela surpresa o que a vida pode, ainda, oferecer. E na espera do parco bronze, herdarás, quem sabe, reluzente ouro.

sábado, 26 de março de 2016

zeitgeist

Da gênesis ao caos. O que mais ainda resiste, além de seus versos a lápis no fundo da minha gaveta?
Temo já ter experimentado tudo. E o que conhecerei, doravante, serão apenas versões menores de tudo o que já senti.
Diariamente, preocupo-me com um par de olhos azuis e com a linha tênue que divide a nostalgia saudável do... saudosismo anacrônico.
Tem o homem de render-se aos ideais de sua era?
Há séculos, o transcendente deixou de me confortar. Deu lugar à suprema razão. Render-me-ia à utopia… Lá estava, iluminada pelo sol, a ponto de avistar a silhueta do progresso...
Quando me flagrei nua.
Carente de quaisquer arquétipos. Convivo, a partir de então, com a multiplicidade vazia. Afogo-me, indecisa, na falsa profusão de possibilidades. Relativizo meus anseios pela desconstrução de valores, anestesiada pelo seu perfume agridoce em minhas mãos.
À espera do retorno ao aconchego arcadista e ansiosa por seu olhar - contido - de aprovação.
Enquanto isso, sacio-me com o hiato da contemporaneidade relendo seus versos puídos.

sábado, 26 de dezembro de 2015

la fuite du temps

O instante 
tornar-se-á valioso por ter sido fugaz? 

A magia do efêmero sustenta a paixão,
segue alimentando o fogo idílico de amores 
resplandecentes pela esfinge da hora marcada.

As estrelas conservam seu brilho ameno por obra da longitude.
pois, observadas ao longe, cintilam fascinantes
se assistidas de perto, cegariam-nos

tal qual a paixão
pois, se embebida na permanência contígua,
extinguir-se-ia

domingo, 13 de dezembro de 2015

felix culpa?

Um sopro de insensibilidade seria o perfeito aliado da prudência
talvez, a solução para deter os fluidos encantos advindos da fascinação
injetaria Comte em minhas veias

Diante da mais bela expressão: eu negaria qualquer deslumbre
anulando seu perverso – e constante – efeito sobre mim
Será que sobreviveria experimentando indiferença?

A arte desassossega meu espírito
cativa-me
faz-me etérea - e incauta

Deveria eu descortinar uma manhã pálida?
Certamente, inspiraria, num fôlego cinza, a impassibilidade de uma vida sem ar(te).

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Elegia à morte do desejo

Preferíamos crer na completa eternidade de nossa soberania
Conduzíamos, inocentes, a navegação nas águas do arbítrio.
Senhores de si em cada alvorecer,
afirmativos do devir,
lúcidos no limbo,
gozadores do mistério noturno.

Nossos arquétipos também escorregavam - na mais perfeita harmonia.

Mas ela estava por vir:
pesarosa e viril, usurpou cada centímetro
aplicou, determinada, seu golpe derradeiro. Em um movimento quase digno de comiseração, não há sangue, nem lança.
Há promessa!

Agora, em luto suplicante, seguimos:
submetidos ao dissabor
orgulhosos do pesar,
(sobre)vivemos reconfortados pela promessa de um paraíso vindouro, t-a-l  q-u-a-l aquele que a morte acabara de levar.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica Latim em Pó (!)

Inconscientes, assim, as palavras surgem. E como que por vida própria entram na minha prosa, na minha língua. Vocábulos que eu só queria emprestados teimam em continuar comigo por todos os lados. Me sinto obrigada a registrar sequências cegas de palavras cultas.

Oras, não sou nenhuma purista!
Mas nos meus últimos parágrafos, tenho desconfiado das palavras que, tímidas, batem a minha porta querendo abrigo, com medo de cair em desuso. Acolho-as sem muita benevolência, mais por força do hábito.
Não sou essa mãe-boa de comercial de margarina. Não educo minhas palavras. Elas que aprendam com o mundo, que, inclusive, está cheio de poetas neologistas querendo adotar vocábulos por aí.

"E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias..."

sábado, 4 de julho de 2015

Do Segredo de Epicuro

Um brinde ao simples e puro prazer. O prazer parnasiano: o prazer pelo prazer.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

triste ma non troppo

uma poesia pálida que combina com
a
minha
maquiagem
barata.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Astigmatismo

será que o cego volta ao principio que nunca enxergou?
se bem que minhas memórias não são muito claras

ainda assim, tudo parecia mais brilhante há alguns anos,

era a nitidez colorida que hoje a miopia me tomou.

domingo, 26 de agosto de 2012

Santa Máscara

A indiferença:
disfarça meu íntimo
encobre minha loucura
e me traz paz

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Doentia

Sua alma inflada necessita do meu sangue
e, mutuamente,
a minha carne ácida necessita do seu desejo

Sempre obedeci aos meus senhores
escrava de más paixões

Por que negar, em vão, minha natureza humana?
quem está no controle?

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Marília de Dirceu

Ela te situou como arte mesmo não sabendo o que permeava teus sentidos...
Querido, sonhe. Você tem o direito de sonhá-la, pois foi ela teu primeiro sabor. Você é humano. Está tudo certo.
Não se preocupe com minhas frases desconexas nem com nosso filho. Eu fiz a compra do mês. Está tudo certo.
Com um gesto sutil na boca, ela te trazia êxtase, culminando nos seus versos mais lindos, querido. Está tudo certo, amor. Porque ela te deu voz, te ouviu e te fez poeta.
Posso conhecê-la? Tem um retrato dela escondido no seu criado, querido. Me mostre, deixe-me ver os olhos verdes que te inspiraram até a completa loucura, querido. Claro que é seu direito de tê-la.
Minta, querido: recite-me seus versos endereçados à ela, é só riscar o destinatário. Pois eu não me importo, amor.
Ela foi o que eu nem ao menos tentei ser - nossa instituição é falha-
não abandone-a
não me abandone.
Ela -decidida- despertou sua devoção, sua ira e pintou o amor em todo o seu corpo. Enquanto eu te dei relativo prazer nos nossos primeiros anos de casamento.
Vá em frente, querido, ela não deve ter mudado o número de telefone. Deixe seu recado.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

É depois do último gozo que o amor se despe de segundas intenções
Joga o véu no chão e vira pó.
Descompassado assim faz com que a embriaguez do prazer tome conta da garganta.
Tonturas vis fazem a boca pronunciar palavras que nunca seriam permitidas
sem a ebriedade vermelha
que excita o rosto
que erige o corpo
que te transmuta a alma...
E é depois do último gozo
que se entregam os fracos
e se rendem os fortes.

sábado, 28 de abril de 2012

Pai preto mãos grossas calejadas
sabedoria arraigada.
Entre os dedos, raízes.
cheio de terra
achou melhor não arriscar
-humildade ultrajada-
na mesa branca, tão insípida
"-Será que sujaria?"
hesita...
Bom...

" -Há creolina no mundo espiritual também? "